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A amputação
de um membro, como qualquer fato relevante que ocorra na nossa
vida, é uma aventura e um desafio ao espírito. Perder um braço ou
uma perna, ou parte deles, não tem absolutamente nenhuma graça,
assim como não se trata de algo charmoso, como as peripécias de m
Indiana Jones no cinema. Existem várias causas que podem levar à
amputação de um membro. A mais comum, segundo dados extraídos de
países desenvolvidos, como Suécia e Dinamarca, é a doença vascular
periférica. Trata-se de patologia secundária a doenças sistêmicas
como diabetes e arteriosclerose. A amputação, nesses casos, vai
ocorrer já na terceira idade, como conseqüência da evolução
natural da doença de base.
Embora não existam dados
oficiais em nosso país, por não se tratar a amputação de um evento
de notificação obrigatória, acreditamos que e nosso meio as
estatísticas sejam significativamente diferentes, sendo bastante
expressiva a incidência de amputações de causa traumática devido
ao trânsito caótico das grandes cidades e a violência urbana
conseqüente às grandes aglomerações populacionais. A população
jovem, nesse caso, será bem mais afetada, com todas as
conseqüências advindas, como o fato de se tratar de força
produtiva ou de existirem dependentes da pessoa amputada que serão
diretamente envolvidos nos eventos subseqüentes. Outras causas,
não menos importantes, mas de menor significado estatístico,
seriam tumores malignos ou benignos dos membros, malformações das
extremidades ou esmo a agenesia das mesmas. De qualquer forma, uma
vez confrontados à amputação, fato irreversível, tanto a pessoa
envolvida como os órgãos de saúde são premidos a tomar medidas
imediata.
O amputado deve ser rapidamente direcionado a
entender a real dimensão da sua perda funcional, pois isto estará
intimamente relacionado à qualidade da sua reabilitação. Não deve
ele se perder somente em considerações relacionadas à reposição
cosmética do membro afetado. A pessoa afetada pode levar muito
tampo para realizar o que realmente aconteceu, passando anos num
estado de esperança utópico com todas as conseqüências que isso
trás. É claro que, neste caso, nenhuma prótese será boa, pois
todas deixarão a desejar em algum aspecto.
A equipe de
reabilitação deve obrigatoriamente incluir profissionais que
tenham essa compreensão e a capacidade de transmiti-la com clareza
ao paciente. Temos profunda convicção de que o maior dano
infligido ao amputado, nos dias de hoje, é o dano psicológico, ou
seja, a sua retração perante a comunidade. Todo e qualquer valor é
sempre correlato à uma unidade de referência, sem a qual fica
impossível ser quantificado. Quando se vê amputado, o paciente
busca avaliar sua nova condição, e sua referência são as pessoas à
sua volta. Estas, começando pelo médico, passando pelo pessoal
paramédico, e chegando nos amigos e parentes, se comportam como se
ele fosse um pobre coitado, definitivamente prejudicado, sem
muitas perspectivas. É claro que vai vestir a carapuça, pois, para
onde se voltar, esta lhe será oferecida. Como mudar este quadro ?
Nossa idéia é que este trabalho deve enfocar toda a comunidade, e
a melhor maneira de realiza-lo é através dos meios de comunicação,
onde amputados bem resolvidos devem ser mostrados como tal, sem
disfarces, e inseridos na sociedade, tanto no aspecto social, como
familiar e profissional. Ao se familiarizar com a imagem da pessoa
amputada usando prótese ou não, mas fazendo coisas como todo
mundo, como praticar esportes, trabalhar ou simplesmente em
atividades de lazer, as pessoas poderão ter a dimensão justa do
problema, e deixar de olhar para o amputado como um inútil para a
comunidade. Então será o momento do próximo passo, que será
voltado para a reabilitação da lesão física, na melhor forma
possível.
Um bom aparelho protético, feito dentro de um
serviço realmente comprometido com o bom resultado funcional, sem
ter que medir os esforços para obtê-lo, onde sejam utilizados
componentes protéticos de procedência confiável, vai custar caro.
Consideremos como caro, um valor inacessível para, talvez, 80% dos
pacientes, se tiverem que arcar com as despesas utilizando
recursos pessoais. A conseqüência disso é que, na busca de algo
que possa comprar, o paciente e/ou seus familiares, começam uma
romaria pelas oficinas ortopédicas até encontrar uma que lhes
ofereça um produto acessível. E compram. Compram, entretanto, algo
cujo produto não sabem avaliar. Fazem uma medida, um ou dois
testes e....... voilá! Saem da oficina com uma prótese embaixo do
braço. Ao dizer para o técnico, que provavelmente se atribui o
título de doutor, que o aparelho está machucando, recebe a
resposta de que é como dentadura, deve ir usando que, com o tempo,
se acostuma. Ser encaminhado diretamente pelo médico que operou,
para uma oficina ortopédica, também é muito freqüente. Podemos
afirmar que, na maioria dos hospitais, existem esquemas montados
onde pessoas, devidamente gratificadas, oferecem aos pacientes
amputados, ainda no leito do hospital, no pós-operatório imediato,
cartões desta ou daquela oficina ortopédica, muitas vezes sem o
conhecimento do médico que operou. Isso entretanto, também não
exime o médico da sua parte de culpa, pois ele tem que ser
responsável pela orientação correta do seu paciente quanto à
atitude subseqüente. Amputação, como cirurgia, nada mais é do que
um dos importantes atos em todo um complexo projeto visando a
reabilitação do paciente amputado. É fundamental que o cirurgião
saiba disso e nunca considere seu trabalho completo ao retirar os
pontos, acreditando, depois, que basta direciona-lo para uma
oficina. O acompanhamento do paciente na fase de protetisação é
que vai dar o retorno em relação ao ato cirúrgico praticado, se
foi bem realizado ou se algo melhor ainda poderia ser feito. Este
aprendizado vai refletir diretamente nas próximas operações. E
ainda há a satisfação de avaliar o quanto foi valioso aquele
cuidado a mais na cirurgia e como é importante, por exemplo, a
preservação do joelho.
Amputado recente não é freguês, é um
paciente complexo de reabilitação. Mesmo renomados serviços de
reabilitação, freqüentemente, tem bastante dificuldade em tratar
alguns pacientes, especialmente aqueles que representam o típico
paciente amputado de membro inferior, os doentes vasculares, quase
sempre idosos e com estado geral bastante comprometido pela
própria evolução natural da sua patologia de base. Estes, se forem
mal tratados, seguramente não vão mais andar. São pacientes com
pouca margem de erro, onde um pequeno ferimento no coto de
amputação pode representar uma reoperação, a perda de um precioso
joelho, e um alto índice de complicações trans e pós operatórias,
quando não, o encurtamento precoce de uma vida já tão sofrida. Só
este fatos já justificariam um olhar mais atento para o problema.
Se, entretanto, contabilizarmos os custos que isso tudo
representa, então a dimensão do problema vai tomar proporção
bastante incômoda aos nosso burocratas. Certamente um paciente
devidamente reabilitado, com um bom encaixe protético, a
princípio, sai bem mais caro do que aquela prótese mais barata
autorizada após a execrável licitação. Só que esse dinheiro barato
está sendo jogado fora. E não paramos por aí, pois o paciente não
reabilitado continua sem produzir, dependendo da previdência
social, da família, dos amigos, ou da divina providência. Em muito
pouco tempo ele já terá custado muito mais caro do que se tivesse
tido uma reabilitação adequada.
Conclusão: os centros de
reabilitação deveriam ter uma aproximação verdadeira dos bons
profissionais protesistas/ortesistas. As próteses passariam a ser
feitas realmente dentro das características certas, e os ajustes
necessários feitos a medida que o paciente evolui no treinamento e
o coto de amputação amadurece sua forma. Um técnico responsável
pelo trabalho pode ser cobrado pela sua qualidade, refazendo o
encaixe quantas vezes for necessário, tendo o centro de
reabilitação o compromisso de arcar com todas as despesas advindas
para uma boa protetização.
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